Não é perigoso confundir crianças com anjos

-Os anjos não têm nome, senhor.
-És um anjo, meu filho?
-Acho que sim, senhor. Talvez uma criança...Puz essa hipótese de lado por não ter nome.
-Eu chamo-me Ignácio Kagel.
Eu e o rapaz estavamos à espera do autocarro. Não está assinalado a existência de uma paragem. Todos os dias param vários autocarros naquele lugar. As pessoas habituaram-se a isso.
Não sei porquê, mas o rapaz parecia dizer a verdade. Eu achei que ele era mesmo um anjo. Ele parecia mesmo um anjo.
-O que fazes? No dia-a-dia.
-Eu sorrio, Sr. Kagel.
-Sorris?
-Sim. Há quem me pague para sorrir.
-Não vais à escola?
-Não. Eles só aceitam rapazes e raparigas. Eu nem nome tenho.
-Então, apenas sorris?
-Também canto e toco violino em telhados. Hoje em dia já ninguém precisa de de músicos em telhados. Os melancólicos ainda me pedem às vezes. No geral, as pessoas precisam é de anjos a sorrir, Sr. Kagel.
-Podes sorrir para mim?
-O senhor está triste?
-Não, mas talvez o teu sorriso me faça eufórico.
-Escreva-me um poema.
Mas o autocarro chegou. O rapaz não subiu, estava à espera do próximo autocarro. Não o voltei a ver.
20/08/1882
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