Link

Ah ok

O sítio onde me beijas -aqui, no ombro esquerdo ainda não dói beija-me outra vez

segunda-feira, dezembro 12, 2005

Febre de sábado á noite(6)

Saímos da água e entrámos no bosque. Corremos e no meio de risos deitámo-nos na relva, a secar. Ficámos abraçados durante um tempo. Ela adormeceu e eu levantei-me. Fiquei a olhar para ela. Sim, bastante encantadora. Encantadora na maneira como sorri e como chora. Na maneira como diz "amo-te". Sim, bastante encantadora. Um pouco como uma caneca de cacau quente no inverno. Já era noite e resolvi acordá-la. Tinha algo para lhe mostrar.
-Matilde.
-Hum...que horas são?
-Não importa. Vem comigo.
-Onde?
Não lhe respondi, apenas olhei para ela com um olhar desafiador e ao mesmo tempo divertido. Ela levantou-se e riu. De uma maneira encantadora, claro. Andei um pouco para dentro da floresta e ela seguiu-me, de mãos dadas. Do nada, deixaram de existir árvores, e se não conhecesse aquela floresta, teria caído do precipicio. Sentámo-nos com os pés a pender para o vazio. Via-se uma imensidão de luzes lá em baixo, como se ali fosse sempre natal. Ela ficou a olhar para mim, enquanto eu com uma pá que ali estava, desenterrei uma caixa. Abri-a com a pá e tirei um piano. Ela franziu as sobrancelhas e disse "o que é que....".Não a deixei terminar a frase:
-Quando era miúdo comprei um piano. Os meus pais não me deixavam tocar em casa. Tinham medo que eu quisesse ser pianista. Eu vinha para aqui e tocava. Comprei uma bateria enorme á qual ligava o piano.
Tirei a bateria da caixa e liguei-a ao piano. Começei a cantar uma canção de amor. Um poema perdido no tempo. Eugénio de Andrade. O poema chama-se green god. É em português, ao contrário do que o nome mostra. Cantei-lhe uma música de amor que era assim:
-"Tinha consigo a graça
das fontes quando anoitece.
Era o corpo como um rio
em sereno desafio
com as margens quando desce.

Andava como quem passa
sem ter tempo de parar.
Ervas nasciam dos passos,
cresciam troncos dos braços
quando os erguia no ar.

Sorria como quem dança.
E desfolhava ao dançar
o corpo, que lhe tremia
num ritmo que ele sabia
que os deuses devem usar.

E seguia o seu caminho,
porque era um deus que passava.
Alheio a tudo o que via,
enleado na melodia
de uma flauta que tocava."

Cantei-lhe uma canção de amor. Susurrei-lhe uma canção de amor. Com esta canção, ela abraçou-me. Fizemos amor. "E desfolhava ao dançar o corpo, que lhe tremia num ritmo que ele sabia que os deuses devem usar".