Link

Ah ok

O sítio onde me beijas -aqui, no ombro esquerdo ainda não dói beija-me outra vez

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Banco de jardim 6 (porra)

Escrevi um poema sobre ti. Escrevi-o no nosso banco.
-No meu e no teu.
Escrevi-o com corrector branco. Escrevi-o com as nuvens que um dia acompanharam o nosso café.
- O meu e o teu

Olhaste-me com os teus olhos
Nostálgicos por algo que desconheces
de um pai que nunca viste
que nunca ouviste, que nunca leste

Olhaste-me com os teus olhos, tão triste
No entanto, só eles
Os teus lábios sempre sorriram
com energia, lábios histéricos

Olhaste-me com os teus olhos, inventados
não descobertos
Não que mentissem, apenas se lembravam
Um pai que nunca viste (ouviste, leste)

Apenas se lembravam
era um segredo que só eles sabiam
olharam-me, tão tristes
sussurraram-me o que tu desconheces

Leste este poema com uma indiferença brutal. Com os olhos, devagarinho, fizeste todas as nuvens escritas desaparecer. Já não eram nuvens, mas corrector branco.
-Apenas corrector branco.
Juro que nesse dia tentei fazer-te sorrir. Tentei fazer-te sorrir. Porra, eu menti. Disse que tinha feito o sol a pensar em ti. Disse que achava que a luz ficava bem com a tua pele. Disse:
-A luz fica bem com a tua pele.
Porra, eu menti para te fazer sorrir. Tu apenas inspiraste. Tu apenas suspiraste e deste comida aos pombos. Eu disse que te amava porra. Tu disseste que eu
-Aborreces-me e eu vou-me embora
e nunca mais irias voltar. Tu nunca mais irias voltar
-Como é que podes ir? Como é que podes oferecer-me o mundo (a vida eterna) e depois ir? Como é que podes cuspir o paraíso na minha cara? Como é que podes escarrar o paraíso na minha cara? Isso, é isso que tu és! Escarra paraísos!
Franziste o sobrolho. Apenas franziste o sobrolho e foste-te embora. Eu gritei
-Escarra paraísos
pela minha pele. Chorei tanto.
Chorei apenas um pouco mais.
Eu gritei
-Desculpa
pela minha pele. Desde então que tenho vivido neste banco. À dez anos que passo os dias e as noites neste banco. À tua espera, a tentar recolher o que resta de ti.
Lixaste-me a vida.
Desculpa.
Puta.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gostei muito. Tem a grandeza de nos fazer "sentir" como o sofrimento nos faz correctos e incorrectos. Como a dor nos permite sentir amor e ódio, paz e guerra, beleza e monstruosidade. Tudo no mesmo segundo. Tudo com o mesmo pano de fundo...

27/2/06  

Enviar um comentário

<< Home