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Ah ok

O sítio onde me beijas -aqui, no ombro esquerdo ainda não dói beija-me outra vez

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

Sonho

Nunca ninguém viveu naquela cidade. Já lá morreu muita gente, mas nunca nenhum deles lá viveu. Apenas morreram, desde o dia em que nasceram. A cidade é magnífica. Vivendas de madeira branca e telhado de xisto, cobertas de musgo. Cobertas de trepadeiras. Não que a população fosse desleixada. As casas estão sempre aspiradas, varridas. Eles apenas gostavam de plantas.
Se um dia precisarem de encontrar a cidade não a encontrarão. Porque esta cidade ninguém encontra no mapa. Na realidade. Esta cidade é um local que um grupo de pessoas visitam no sonho. Visitam-na sempre que dormem, desde o dia em que nasceram. Uma cidade sonhada por poucos, habitada por todos os que já sonharam com ela.
Eu sonhei com a cidade vinte anos atrás. Tinha acabado de sair de uma festa, estava bêbado. Adormeci numa rua mal iluminada, na calçada da rua. De repente surgi na cidade. Estava deitado no chão e levantei-me. Vi um miúdo pequeno a olhar para mim e a comer um gelado de chocolate.
-Não devias estar aqui. O que é que estás aqui a fazer?
-Desculpa?
-Tu não podes vir para a cidade só com a tua idade. Tens de sonhar com ela desde sempre.
-Onde estou?
-Estás a sonhar com a cidade.
O rapaz entrou dentro de uma casa. Todas as casas naquela rua eram iguais e tinham todas o número 7. De dentro delas ouviam-se susurros. Encostei a orelha a uma e percebi que não eram susurros, mas gritos de mulher ao longe. Bati á porta e atendeu um homem de máscara.
-Boa...não devias estar aqui.
-Porque é que toda a gente diz que eu não devia estar aqui! É só um sonho!
-Porque as pessoas que sempre sonharam com esta cidade morrem todas as noites, quando aqui estão. Tu nunca sonhaste com a cidade. Nunca mais sonharás. Em vez de morreres quando dormes, vais passar a morrer acordado. Terás sempre vida em ti, mas estarás a morrer. As tuas mãos vão tremer e vais tossir sangue. Não te invejo.
-Estás a exagerar concerteza. Isto é só um sonho!
Ele sorriu amávelmente e despediu-se. Ele tinha razão.