Verosímel (3)
Uma tarde fria de outubro. Eu ouvia música e lia um livro. A música estava baixa. Como se susurrada em vez de cantada. A campainha tocou e fui atender. Eras tu lavada em lágrimas. Ao abrir a porta ouvi os gritos do teu pai. Cada grito era como espetar uma agulha num boneco vodoo. com cada grito tu engolias em seco e tentavas, inutilmente, disfarçar o choro. Desejaste por um momento que eu não conseguisse ouvir o teu pai e eu fingi. Eu sabia perfeitamente porque estavas lá em casa. Porque estavas lavada em lágrimas. Não sabia os detalhes, mas não queria perguntar-tos. Foi a única vez que te vi a chorar. Não te ficava bem. Não eras assim. É verdade, não rias muito, mas a tua tristeza era sóbria. Olhavas o chão desinteressadamente e ouvias música alto. Música triste que combinasse contigo. Mas nesse momento choraste. Percebi que tinha acontecido algo de grave entre ti e o teu pai. Nunca me contaste o quê. Apenas disseste "fui posta fora de casa". Apenas disseste "posso vir para aqui convosco?". Eu sorri e acenei afirmativamente com a cabeça. Fui preparar-te um chá quente. Infelizmente nenhum alimento diminui realmente a tristeza. Na verdade, dei-te o chá porque não podia fazer mais nada. Apenas esperar que voltasses a sorrir. Na altura já sabia que valia a pena esperar. Já conhecia o teu sorriso.
1 Comments:
chá para as lágrimas...
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