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Ah ok

O sítio onde me beijas -aqui, no ombro esquerdo ainda não dói beija-me outra vez

domingo, outubro 29, 2006

Em nome da terra


Ando a ler Vergílio Ferreira e penso que ele sou eu quando for grande. Ando também a desenhar Vergílio Ferreira, sobretudo porque gosto de saber do que sou capaz. Há meses que não pintava a sério.

sábado, outubro 28, 2006

A ouvir song for you

Eu pensei em falar sobre ti. Não me sais da cabeça com essa maneira de mel
-Eh pá...
e a levantares as sobrancelhas e a evitar sorrir mas a sorrir. Toda rosada. E isso não me sai da cabeça, mas não é só isso. Tudo aquilo que nos correu e os dias que importaram. A minha certeza que os dias que importaram para mim importaram para ti. Portanto pensei em falar sobre ti. Mentira: não falar, escrever porque as coisas que se escrevem às vezes não se podem dizer. Uma espécie de segredos porque todos sabemos que o resto do mundo vai achar chato. E ninguém gosta de um chato.
Eu pensei em falar em ti porque acho egoísta guardar-te só para mim. Ou talvez guardar-nos só para mim. Nós somos algo diferente e as coisas diferentes(realmente diferentes)toda a gente quer conhecer
-"Sing me something new"
dizes tu e dizem outros. Mas só tu levantas as sobrancelhas quando o dizes e evitas sorrir e sorris.Às vezes lembro-me de frases, nem sequer de momentos mas das tuas frases. Depois as minhas frases e depois as tuas e tornamo-nos uma tese.
-Às vezes a liberdade dos vagabundos parece-me desejável.
-Se tiver a banda sonora e iluminação certas.
e nós continuávamos. Meu deus se continuávamos.
Os meu agradecimentos à ajuda involuntária de Alexi Murdoch, porém essencial para este texto.

domingo, outubro 22, 2006

Wonderwall (a do Ryan Adams)

-É demasiado difícil.
Dizes e eu nada consigo fazer. Apenas envolvo os teus pulsos com as minhas mãos e roço o polegar naquele ossinho redondo.
Encontro-te quente no sofá, com a cara de quem podia estar a chorar. A dizer
-É demasiado difícil.
E eu não acho, mas que posso fazer? Apenas espero que o tempo vá passando e as ideias vão ficando distantes. O óbvio vá ficando um pouco mais óbvio. Mas tu estás quente no sofá e eu sinto esse calor e não quero que vá. Quero mantê-lo aqui comigo e nem sequer acho que seja difícil. Basta conservar esta distância, rezar para que o silêncio não se torne denso. Apenas um silêncio perfeito que vai tornando tudo mais redondo, os teus lábios e os meus. Um silêncio que nos aperfeiçoa quando dizemos
-És tu quem me vai salvar.
Mas tu achas que não dá. Nem pó.
-É demasiado difícil. Demasiado complicado.
E repetes-te. Eu não to digo, mas é verdade. Podes ficar quente comigo. Se as estradas que nos unem se afastam, nós andaremos o que tiver de ser. Eu não me importo. As estradas são apenas o que são, nada mais e podem-se andar. Mesmo estando noite, mesmo que nada consigamos ver
-Nós conseguimos. A sério, nós conseguimos.
E o que mais dizer. O que mais dizer para te fazer sorrir, para descomplicar e para te fazer perceber que todo o mundo consegue. Nós. Nós só temos uma estrada e uns quantos silêncios perfeitos para encontrar. O que mais dizer. Talvez.
-És tu quem me vai salvar.
Talvez isso.

domingo, outubro 15, 2006

As coisas certas

Há algumas coisas que são certas. Nós não nos apercebemos disso, normalmente não nos preocupamos muito. Mas nós sabemos que são certas.
Eu apercebi-me que para mim, grande parte dessas coisas está ligada à casa da minha avó. Os tabuleiros de madeira que a minha avó tem sempre.
-Compro todos os anos na feira da luz. Eles vão acabando por se estragar.
e quando era miúdo, no início das minhas férias, era nesses tabuleiros que a comida magicamente aparecia. O almoço. Às vezes a minha avó ia ao colombo e trazia-me uma pita shoarma. Normalmente cozinhava.
Mas eram sobretudo sandes. Nunca percebi o que é que a minha avó fazia para que manteiga no pão fosse tão apetitosa.
A minha avó sorria e dizia
-O teu lanchinho.
e eram tantos lanchinhos. Vinham no tabuleiro de madeira e num prato de plástico laranja.
(com cortes ligeiros no fundo)
Quando me vinham buscar, a minha mãe ou o meu pai agradeciam.
A minha avó sorria e dizia
-Não dá trabalho nenhum.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Sobre a morte e sobre os sonhos (2)

Eduardo era estagiário numa revista de uma universidade
(intituto superior de psicologia aplicada)
e quando lhe perguntavam o que fazia, respondia
-Eu faço os bonecos.
mas neste dia, os portões da universidade estavam fechados.
-Engraçado, nunca tinha visto os portões fechados
pensou Eduardo, dentro do seu carro.
-Fazia-os mais altos.
Eduardo também nunca tinha visto a faculdade com um ar tão Outonal e romântico e fresco. Uma frescura que se atava à sua respiração. Eduardo também pensou.
-Porque raio é que a Universidade está fechada?
e saiu do carro. Ao lado do portão existia um pequeno gabinete
(como existe ao lado de todos os portões)
Onde o senhor Tavares
(veterano da guerra de Angola)
residia e acenava e se lembrava do nome de toda a gente. Eduardo nunca percebeu como é que ele se lembrava do nome de toda a gente.
(toda a gente é muita gente)
e nesse pequeno gabinete existiam também os papeis. Se alguém quisesse papeis
(inscrições, faltas, notas, a existência de pizza no café da universidade)
era lá que os encontrava. Eduardo achava incrível que todos coubessem lá. Cabiam sempre.
Era então previsivel que, se a universidade fechasse num dia que não devia, estaria lá um papel.
Não estava.

terça-feira, outubro 10, 2006

Sobre a morte e sobre os sonhos

De manhã, Eduardo acordou com a respiração dos outros. Com o incessante barulho daquilo que se passa nas ruas.
De manhã, Eduardo acordou no seu pequeno apartamento. Ele olhava em volta como que tentando ter a certeza se aquele era o seu apartamento. Como quem acorda num sitio onde nunca acordou. As paredes e os lençois estavam difusos por um sentimento de inquietação residente na atmosfera. Um sentimento negro de um medo sujo.
Lentamente, Eduardo levantou-se, com medo que a sua brusquidão pudesse derrubar este lugar
(que parecia o seu apartamento e talvez fosse)
Ele reconhecia as fotografias nas paredes. O bisavô fardado e de bigode retorcido. A mãe quando usava o cabelo apanhado atrás e o pai quando ainda era magro. Ao lado, Lolita, a única pessoa que consegue lamber o cotovelo e sua namorada
(até ir para a rússia num Outono antigo)
No entanto, pareciam outras fotografias. Com cores mais frias. A mãe parecia estar fotografada de um ângulo diferente. Lolita também.
As fotografias pareciam mais enevoadas. O mundo parecia mais enevoado. Como se tivesse perdido definição.
Eduardo
-Mas que merda é que se passa.
estava confuso. Continuou confuso, mas ainda assim teve de arranjar uma explicação. Algo como
-O tempo está horrível.
e foi a primeira vez que Eduardo arranjou uma explicação à força. Mas não teve outra opção. Aceitou a sua explicação
(teve que ser)
e foi tentar não chegar tarde ao emprego.

domingo, outubro 08, 2006

prologo para algo feliz

Naquele quarto de hospital, os dias eram invariavelmente frios. O ar parecia mais pálido. Parecia secar lentamente o mundo.
As horas iam congelando na pele de Eduardo. Era a passagem do tempo a vagarar. Era a passagem do tempo que embrutecia tudo
(sobretudo a pele)
e o vento entrava pelos pequenos buracos do estore. Entrava pelos ciprestes robustos e curvados a tentarem manter-se. Sempre a tentarem manter-se.
Eduardo sabia que fora da janela estavam ciprestes e, ultimamente, sabia muitas coisas. Como sabia que os ciprestes se iam manter por longos meses.
Sabia também que os seus lábios se iam apagando e que a pele não ia aguentar.
No silêncio daquele quarto, havia a certeza do tempo das coisas. De certa maneira, naquele quarto transparente
(via-se qualquer coisa através das paredes)
o finito era mais tangível. A mortalidade era mais real.
-Eu sinto o seu cheiro. Ele vem aí.
Diria Eduardo se o ar não lhe escapasse. Os seus cabelos não eram grisalhos e na sua face não existiam rugas.
(apenas palidez)
No entanto, era como se agora existissem. Como se, na última hora, o tempo tivesse acelerado
(ou o oposto)
e as rugas tivessem brotado, não na pele real, mas na outra. A pele mais honesta. Uma superficie que não é deturpada pela idade, pela visão. Por cremes ou pela sua ausência.
Rugas que eram memórias inventadas à força. Acontecimentos de ontem que foram esquecidos e lembrados e agora velhas memórias.
Se o ar não lhe escapasse, Eduardo diria,
-Está tudo bem comigo.
e seria verdade. Se calhar,
sorriria.
Pelas transparentes paredes, Eduardo consegue ouvi-lo e adivinha a sua face. Pálida como o ar onde existe. Como o ar que cria.
Na sua voz engrossada, morta, destruída existe a sabedoria.
-Eduardo, estou aqui. Estou à tua espera.
e o corpo quase vazio deitado na cama,
aquecia. Aquecia e lembrava-se da sua avó a dizer
-Eduardinho
com tamanha ternura. Lembrava-se da sopa que lhe fazia. Lembrava-se da sopa que lhe fizera no dia anterior.
Assim, a pele ia-se tornando pálida e o tempo acabando.

Outro

Nesta manhã, a esperança não perdura
Ambos conhecemos a realidade
Ambos conhecemos e sabemos
que a noite em nós
eventualmente
rapidamente
clareia.

sábado, outubro 07, 2006

Ainda não consigo ver (ler) a lolita sem ficar blue

Vais sendo soprada pela suavidade do tempo
para perto de mim e eu lembro-me sempre
Lolita, dos nossos silêncios que se encontravam
numa imperfeita existência.

O tempo sopra-te para meu lado, Lolita
e os meus últimos enganos
a pensar que éramos loucos e imperfeitos
nos nossos silêncios.

Encontrei-te há uns dias, Lolita
e na tua face a quietude infantil perdeu-se.
Porém, meu amor, eu percebi que ainda
Eu percebi que ainda me engano
Ainda acho que és minha.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Prémio literário correntes d'escritas/papelaria locus

Bem, eu vou concorrer a isto, em grande parte por o premio ser 750 euros
(vale bem a pena tentar). É um prémio de poesia e cada um poderá apresentar dois trabalhos. Portanto isto é um post mesmo a pedir para comentarem: digam-me quais os dois que mais gostam.

Melancolicamente
Melancolicamente dizes não podemos ser nada
E o meu olhar a tentar agarrar-te. A tentar agarrar
Alguma coisa. A tentar dizer que somos as estrelas
E a dizer que somos tudo. Não percebes.

Melancolicamente dizes não podemos ser nada
E ninguém pode saber e eu não te posso contar que
Tu és feita de estrelas e eu sou feito de estrelas
E o meu olhar a tentar agarrar-te.


Poeira das estrelas (stardust)
Amor, agora as nossas palavras estão distantes e
Quando nos interrogamos o que significam percebemos
Elas não significam nada, talvez não existam
Talvez as palavras apenas sirvam para que nos esqueçamos
De que nunca seremos a poeira das estrelas.

Amor, quando tu dizias aquelas frases tão cinematográficas
E eu respondia daquela maneira tão certa apenas pensava
Que nós estávamos tão acima, que todos os outros eram tolos
Que o meu nome era Adão e o teu Eva, mas isso eram
Apenas as palavras. Apenas as palavras tão distantes.

Amor, agora ambos sabemos que nunca seremos poeira das estrelas
As palavras são demasiado subtis e ainda não percebo
O que significa quando o vento passa levemente pelos teus cabelos
Os teus olhos olham o chão e tu dizes
Aquelas frases. Aquelas frases tão cinematográficas.


Ontem
Ontem, as palavras tornaram-se a sombra das coisas que não acontecem
o reflexo da minha mão e da tua quando não estão entrelaçadas
Os meus dedos enterrados num saudosismo perene.

Ontem, as palavras tornaram-se tudo o que resta entre nós
a imagem negra do que acabou numa noite de Outubro e
a melâncolia que vai acontecendo.

Ontem, as palavras tornaram-se músicas tristes
e desde então, todas as músicas são tristes
e são o silêncio.

Se se lembrarem de outros melhores, digam. No entanto, preferia que fosse um recente.

segunda-feira, outubro 02, 2006

Um pequeno registo dos dias do céu cinzento

Um dia, um amigo meu

-Conheci a Isabel numa discoteca. Ali, junto ao rio.

E ainda me olhou, com aquele ar malandro

-Muitas gajas boas lá.

Meio malandro, meio babão. Melhor, talvez, um terço malandro, um terço babão, um terço ordinário. As proporções estão incorrectas concerteza, mas esta é a ideia geral.

Depois disso houve mais, que me disseram

-Conheci a Margarida numa discoteca.

E eu sentia-me um bocado excluído

-Conheci a Sofia numa discoteca.

Porque não te conheci, Debora, numa discoteca. Nunca conheci ninguém numa discoteca e não sei se isso é possivel. A melodia e a batida

(sobretudo a batida)

metem-se pelo meio. Então pergunto-me onde te conheci. Muitos apenas se recordariam onde te conheceram. Eu pergunto-me.

É dificil dizer.

Acho que todos os dias acordavamos no mesmo quarto vazio. Foste dizendo umas coisas e eu fui dizendo umas coisas

(mas isso não importa)

às vezes não diziamos nada. Na altura, não nos perguntámos o que fazíamos no quarto. Parecia ser aquilo que era suposto fazermos nas horas livres.

Agora pergunto-te e antes já te perguntei.

-Porque vivemos, dois desconhecidos, naquele quarto.

Não sei porque te pergunto

(perguntei)

tu nunca te importaste com as palavras.

-O estatuto de desconhecido é tão transitório. Posso desconhecer uma pessoa durante anos e, em poucos dias, conhecê-la. Em poucas horas, se estiver nessa onda. Nós éramos pré-amigos.

Brincas. Agora respondes o mesmo, por zumbidos. Mas eu sei

(pelos gestos, não pelas palavras.)

que tu acabaste por estranhar tudo aquilo. Eu digo. Eu sei

(não sei como)

mas sei. Foi algo que passou por nós, aquele quarto. Se fosse outro diria de uma maneira diferente. Diria de uma coisa tipo

-Foi o destino

mas eu não sei nada do destino. Sei das coisas que passam por nós. Sei até distingui-las das coisas pelas quais passamos.

Mas tudo bem. Até me diverti. Posso dizer, seguro,

-Diverti-me

e isso não é fácil.

domingo, outubro 01, 2006

Um pequeno registo dos dias do céu cinzento

Debora, tenho saudades tuas. Às vezes penso que te tornaste apenas um vago conceito. Uma ideia que se nos cola. Ou mais um sentimento. E assim ficas, dormente, numa de
-Vem que te adoro.
Mas mais confusa. Menos explicita. Uma Debora, dentro de mim, quando vou à casa de banho. Quando semicerro os olhos e quando os abro por completo. Quando os fecho. Nunca me lembro de ti e nunca me esqueço. Diz-me quem me conhece
-Andas a dormir mal.
(ninguém me conhece)
mas não é verdade. Durmo bem, mas não durmo por dois. Mesmo que tu estejas, dormente, numa de
-Vem que te adoro.
Acho eu. Não posso ter a certeza, claro. És pouco explicita, Debora. Podes estar numa de
-Morre meu cabrão.
e não sei se muda muito. Não sei se quer dizer grande coisa. Mesmo quando estavas em minha casa sentada a meu lado
(no sofá plastificado)
vinhas com essas de
-Vem que te adoro
e a verdade é que ia. Se me aceitavas, Debora, eu ia. Mas sabia que mentias. No fundo, mentias sempre. Mesmo nos
-Morre meu cabrão.
Mentias. Não por mal. Apenas não te interessavas pelas palavras. Elas nada eram. Portanto, fica numa de
-Morre meu cabrão.
Se quiseres. Mas vai-me ronronando as palavras. Vai sorrindo enquanto as dizes.
A verdade é que fico mais estúpido contigo. O meu olhar fica difuso e quando o tempo passa, eu não sinto. Mantenho posições corporais idiotas
(incrivelmente idiotas)
e fico com dores musculares. Sim, a verdade é: fico mais estúpido contigo. Mas depois perco a comparação. Esqueco-me. Quando é que era mais esperto. Nunca quis saber de cinema francês, portanto, o que importa? Dantes não sentia as pontas dos dedos dormentes. Dantes tinha menos baixas de tensão. Mas, bem, o que importa?
Contigo não estou mais feliz.
(acho)
Perco a comparação. Contigo estou mais habituado
(seguro)
Tudo se torna certo, se pensar bem. Porque pensamos os dois e mesmo que eu seja estúpido
(tu também eras um bocado)
o que é que isso interessa? Nós percebemos as coisas e sentimos as coisas. Nós não somos grande coisa, mas somos alguma.
E, no fundo, já nos habituámos um ao outro.