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Ah ok

O sítio onde me beijas -aqui, no ombro esquerdo ainda não dói beija-me outra vez

terça-feira, janeiro 31, 2006

iron and wine-16 maybe less

Tínhamos 16 anos, talvez menos. Talvez um pouco mais. Foste o meu primeiro amor. Não interessa como nos conhecemos. Não foi importante. O que foi importante foi aquela tarde de agosto. As cearas de trigo ondulavam com a brisa que apressava a noite. Estavamos numa colina encostados a uma árvore. As cigarras cantavam canções de amor só para nós. As cigarras cantavam e nós cantávamos com elas. Cantámos até anoitecer. Cantámos até as nossas mãos estarem apertadas uma na outra. Ainda te lembras das nossas mãos?
Eu lembro-me. E lembro-me que estava muito feliz essa noite. Nunca tinha beijado ninguém. Cheguei a casa tarde essa noite. Pela primeira vez tinha uma história para contar.
Tenho cinquente e três anos, mulher e um filho. Conhecia-a quando andava na faculdade. Tinhamos bebido muito os dois. O meu filho é casado e a sua mulher só veste cabedal preto. Ele diz que falamos pouco.
Chama-o de previsível mas ontem o meu sonho era sobre ti. Sonhei que estávamos encostados naquela árvore. Sonhei que aquelas cearas ondulavam. Tu ainda tinhas dezasseis anos, talvez menos. Talvez um pouco mais. Eu tinha cinquenta e três.
O meu irmão disse que te viu naquela colina no dia de natal. Quando foi buscar lenha. Disse que não te chegou a falar. Estavas á espera. Eu disse-lhe que tu estavas sempre á espera.

Conto feito a partir da música 16 maybe less de Iron and wine.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Verosímel (12)

No final das férias voltámos para Portugal. Apanhámos o primeiro voo da manhã e ainda conseguimos ver o nascer do sol lá em cima. Aterrámos ás dez da manhã no aeroporto de Lisboa. Apercebi-me que durante todas as férias não tínhamos discutido. Nem sempre concordámos, claro, somos pessoas diferentes. Eu sempre achei as tuas opiniões adoráveis, mesmo quando não concordava. Mesmo quando os nossos pontos de vista eram sobre marcas de iogurte, eu ficava maravilhado com o teu ponto de vista. Conciliámos sempre os nossos gostos. As nossas ideias sobre a ressureição e a liberdade filosófica. Nunca discutimos. Nunca te chamei nomes e nunca te pedi desculpa. Fomos de táxi até ao nosso prédio. No cimo das escadas estava o teu pai.
-Se calhar já é altura de tu falares com ele.
-Pois é...acho que tens razão.
-Vem ter comigo a casa quando acabarem.
Esperei em casa e contei os segundos. Estavam lá o André e o Daniel e eles foram tentando distrair-me. Perguntaram-me como tinha corrido a viagem. Não me lembro se respondi. Estava apenas a pensar na tua conversa com o teu pai. Secretamente sabia que depois desta conversa era difícil continuares a viver cá em casa. Eras menor e ele era teu pai. Irias viver para a casa do lado e o nosso tempo juntos como tinha sido até agora iria acabar. Eu sei que o que nós tínhamos era anormal: quantos namorados com a nossa idade é que vivem juntos? Mas a verdade é que já me tinha habituado e estava nervoso.
Chegaste a casa tarde
-Vou-me embora.
-Pois, eu imaginava. Mas não te preocupes podemos continuar a ver-nos- Afinal, a casa do teu pai é aqui ao lado.
-Não estás a perceber. O meu pai não quer saber de mim. Não vou para casa dele. Vou para casa da minha avó e do meu avô. Onde vivi quando era pequena, tinha uma bicicleta e um cão.
Perguntei a mim próprio porque é que tive de te contar a história da infância com os avós. Eu sabia que as minhas histórias tornam-se por vezes reais, mas mesmo assim não podia evitar um sentimento de dejá vu.
-Tem mesmo que ser? Não podes ficar conosco?
-Não, infelizmente não. O meu pai passou a minha custódia para a minha avó. Eu gosto muito dela, mas...não há nada que possamos fazer.
Vi-te fazer as malas e ires-te embora. Quem te levou lá foi uma amiga do teu pai.
Telefonei-te no dia seguinte. Para perguntar como tinha corrido a viagem e como estavas. Queria ir visitar-te. Atendeu um senhor.
-Boa tarde.
-Boa tarde, queria falar com a Teresa.
-Quem fala?
-É o namorado...podia passar-lhe o telefone? Ou se não lhe der jeito posso ligar mais tarde.
-Tenho imensa pena mas a sua namorada morreu num acidente de carro ontem. Aqui é da esquadra da polícia. Só ela é que morreu. Estava sem cinto...
Desliguei o telefone. Foi nesse mesmo dia que comecei a escrever esta história. Comecei a escrever a nossa história. Quis que nunca te esquecesses de nós. Quis que nunca fossemos esquecidos. Escrevi em segredo e não mostrei a ninguém. Quando eu parar de escrever nós não vamos deixar de desistir.

Adeus
P.S. Estou com os blues de ti e dos teus lábios.
Valentine

terça-feira, janeiro 24, 2006

Verosímel (11)

Fomos ao cinema, nessa noite. sentámo-nos os dois, de mão dada no cinema. Não sabíamos sobre o que era o filme, mas não nos importámos. Só queríamos ficar a olhar um para o outro. Abraçado a ti, a cheirar o teu perfume. Mas não conseguimos. O filme era de terror e nós eramos dos outros. Não eramos adolescentes, se fossemos tínhamos ficado no cinema. Terias ficado assustada e terias escondido a tua cabeça no meu colo. Eu teria apertado a tua mão na minha. Mas nós eramos dos outros e não fizemos isso. Saímos do cinema e fomos comprar um balde enorme de pipocas e um refrigerante grande. Sentámo-nos num banco á porta do cinema a comê-las até tarde. Até ser demasiado tarde. Fomos para casa, para o nosso quarto. Dançámos em roupa interior. Saltámos nas nossas camas. Ao som do disco 2000 dos pulp, dançámos até ser de manhã. Acordámos de manhã na mesma cama, sem me lembrar de ter adormecido. Acordámos com o André a tomar banho e com o Daniel a fazer o almoço. Puz umas calças e fui ter com ele. Abri a porta da cozinha e fumo inundou toda a casa rapidamente.Uma panela borbulhava e escorria água. Uma frigideira com óleo suficiente para icendiar a casa toda estava dentro do fogão. O Daniel estava claramente atarantado.
-Queres-me dar aqui uma ajuda?
-Claro. O número da telepizza está na porta do frigorífico e hoje é a vez do André de arrumar a cozinha. Foi ou não foi uma boa ajuda?
-Não poderia ser melhor. Vou ver televisão.
-Força.
Entrei no quarto e tu estavas em roupa interior, deitada na minha cama. Dei-te um toque no ombro e tu sorriste para mim. Levantaste-te e deste-me um beijo.
-Bom dia.
-Bom dia. É melhor não ires á cozinha.
-Porquê?
-Era a vez do Daniel fazer o almoço.
-Porque é que ele não encomendou uma pizza?
-Ele vai fazer isso. Entretanto, que tal irmos tomar o pequeno almoço ao café?
-Vamos. Deixa-me só tomar banho.
-Vai, que eu vou a seguir.
Esperei até te ver sair da casa de banho, enrolada numa toalha. Arranjei-me rapidamente e encontrei-me contigo no café. Bebi uma frize de limão e comi um folhado de carne. Bebeste um chá e comeste um pastel de nata. Quando pediste um chá lembrei-me do quão única és. Lembrei-me que mesmo procurando quilómetros á minha volta, dificilmente encontraria outra rapariga que bebesse chá. Beijei-te nesse momento e foi com o eco desse beijo que passei o resto do ano lectivo e as férias de Verão. Passei-as contigo, numa aldeia na costa de Inglaterra. Foram umas férias magnificas.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Verosímel (11)

Verosímel (10)

Estavas sentada ao meu colo e o sol já não se via. Apenas uma luz laranja pairava no ar. Como restos esquecidos do que foi o sol. Nessa altura lembrei-me que não somos eternos. Lembrei-me que nem tu, nem eu, somos eternos. Que um dia tu já não te sentarás no meu colo. Tal como o sol, já só existirão pedaços de ti. Apenas cartas e polaroids velhas. Datas incertas. Uma altura em que existirá apenas saudade. Saudade de ti sentada em cima de mim. Da tua face encostada ao meu ombro. Dei-te um toque no ombro e levantámo-nos. Abracei-te com força e chorei no teu ombro. Abraçaste-me com força sem me perguntar porque chorava. Apenas disseste "Está tudo bem...está tudo bem." Beijei os teus lábios azuis com os meus. Os teus lábios eram suaves.
"Eu amo-te"
Sorriste. "Eu também te amo".
"Não te vás embora".
"prometo"

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Verosímel (9)

Acordámos numa manhã de sexta-feira. Saímos tarde de casa e chegámos tarde á escola. No portão despedi-me de ti e fui para as aulas com o André e o Daniel. Matemática. Inglês. Fomos almoçar juntos. Um restaurante, longe da escola. Comemos hamburgueres, mas bons. Feitos de carne e com uma fatia de ananás. Pegámos na comida e fomos para o parque. Sentámo-nos todos num banco (sentáste-te ao meu colo. Falta de espaço, disseste tu). Ficámos os dois a falar com os hamburgueres na minha mochila, enquanto eles os dois comiam.
-Olhem, vamos andando. Até já.-disse o André a sorrir.
Eu sorri. Sorri por eles não perceberem o que se passava entre nós os dois. Nunca precisei de estar sozinho contigo para te amar. Nós não eramos adolescentes, não precisavamos de sorrisos de amigos. Nós eramos dos outros. Haviam poucos dos outros. Os outros não bebem alcool á noite enquanto dançam. Os outros não se vestem de acordo com nada. Os outros vão ao café, enquanto lêem um jornal de música. Os outros vão ao jardim, só porque as árvores são bonitas. Nós éramos dos outros. Continuaste sentada no meu colo enquanto as horas passavam.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Verosímel(8)

Pintei a fonte completamente. No poste azulejos multicoloridos. No centro da fonte, um rapaz e uma rapariga. Um beijo intenso, entre os dois. Um beijo que são azulejos multicoloridos. O rapaz um pouco eu, a rapariga um pouco tu. Um pouco, apenas para eu sentir. Puz a fonte no quarto e liguei a um canalizador. Amanhã. Tranquei a porta do quarto e fui procurar-te na sala. Estavas sentada no chão, a ver televisão. Sentei-me ao teu lado. Vimos vários anuncios até que te perguntei:
-Onde é que queres dormir?
-Hum?
-Não vais ficar a dormir na sala, certo?
-Pois...onde vos der mais jeito.
-Não há nenhum quarto a mais, mas tenho uma cama desdobrável. Se quiseres vir para o meu quarto, estás á vontade.
-Por mim ok. Se te der jeito, claro.
-Claro
Ficámos mais um pouco sentados, agora a ver um filme. Um filme antigo, mas muito interessante. Clube dos poetas mortos. Já o tinha visto, mas gostei de o ver contigo. Anoiteceu e o Daniel e o André juntaram-se a nós, na televisão. Comemos arroz com pequenos pedaços que eu aproveitei de uns restos. Comemos numas taças. Tirando o André, que só pode comer peixe cozido. Uma dieta marada devido a uma coisa nos intestinos qualquer, pouco importante. Comemos e fomo-nos deitar. Escondi a fonte no armário (com grande dificuldade, devo dizer) e montei a tua cama no meio dele. Conversámos um bocado antes de adormecer. Sobre a dieta do André e o bigode do Daniel. Não gozámos, nunca. Não eram objectos de gozo, mas sim de curiosidade. Adormecemos tarde.

domingo, janeiro 15, 2006

Verosímel (7)

Passei o portão da escola e lá estavas tu, á espera, sentada num muro. Sentei-me ao teu lado, e contigo, esperei. Esperei segundos, minutos, horas. Esperei tempo. Não me lembro se nessa altura falámos, mas não seria preciso. Porque quando não falávamos tu cantarolavas. Eu evitava olhar para ti quando o fazias. Não te queria constrangir. Mas eu gostava de te ouvir. Mas eu gostava de te ver e de vez em quando não resistia. Olhava-te nos olhos tão indiscretamente como seria humanamente possível.Apenas por breves segundos. Apenas o tempo suficiente para que eu pudesse tirar uma imagem mental de ti a cantar.Então ficava a imaginar-te. Imaginava os teus lábios a cantar. Os teus lábios azuis. Algumas músicas sussuravas. Isso deixava-me louco.
Finalmente vi o André e o Daniel a aproximarem-se ao longe. Traziam uma caixa enorme, cúbica, que era carregada pelos dois. Levantámo-nos e fomos ajudá-los. Perguntei:
-O que é isso?
-Logo vês em casa.-Disse o andré ao passar uma mão pela testa-agora ajuda aí, se faz favor.
Chegámos a casa e o Daniel, sem demora, esfaquiou assustadoramente a caixa. Puz a mão á frente dos teus olhos. Até que vimos o que estava lá dentro. Uma fonte. Em cerâmica pintada de cinzento. Com água que saí-a de dez buracos dispostos num círculo. Perguntei:
-Onde raio é que vão pôr isto?
-No teu quarto, estavamos a pensar. Mas tens problemas com isso?-disse o daniel
-Não deixa estar. Tudo bem. Posso pintá-la?
-Porque não...

quarta-feira, janeiro 11, 2006

Verosímel (6)

Acordei ás 7 da manhã. Um pastel de nata e um chocolate quente (para não acordar demasiado). Dei uma trinca e fui acordar-te na sala. Dei-te um toque no braço. Abriste os olhos devagar. Perguntei-te: "Não tens de ir á escola ou assim?". "Eu ando na mesma escola que tu. Apenas dois anos atrás". Nunca a tinha visto na escola. Nunca tinha notado nela. Onde é que eu andava com a cabeça? "Então devias ir arranjar-te". "Claro. Vou pois". Tomei banho e depois dei-te uma toalha lavada. Fomos os quatro a pé para a escola. Despedi-me de ti e entrei na minha sala. Sentei-me na mesa ao lado do Daniel e falámos sobre raparigas. Falámos sobre a Margarida, Catarina, Bárbara, Joana, Marta, Carolina, Alexandra, Ana. Sobre a Lara croft e a Scarlett Johansson (Marilyn Monroe actual). Chegou a altura de falarmos de ti. Nessa altura calei-me. Não sabia o que dizer de ti. Não te amava mas havia algo. Como se fosse um iceberg de amor imenso apenas com a ponta visível. Um pequeno amor imenso. Aproveitei e prestei alguma atenção á aula.

terça-feira, janeiro 10, 2006

Verosímel (5)

Chegámos a casa e já lá estavam o Daniel e o André. Disse-te para esperares um segundo na sala para eu ir falar com eles. Disse-lhes "Ela zangou-se com o pai. Se vocês não se importarem, gostava que ela ficasse a dormir cá em casa, conosco." Eles sorriram discretamente. "Claro que pode." Apresentei-te a eles. Vimos um filme no sofá até por volta das onze da noite. A meio do filme eles despediram-se e foram-se deitar. Ficámos só nós os dois. Passámos uma hora a ver o filme. Com o Bill Murray e uma rapariga demasiado nova para ele (Scarlett Johansson). Foi um bom filme. Olhei para ti e tinhas os olhos fechados. Tinhas a cabeça encostada ao meu ombro. Nunca te disse isto, mas tu sorrias quando dormias. Sobretudo naquele dia. Tinhas um sorriso aberto. Os teus lábios azuis diziam estrelas. As tuas mãos frias agarravam o meu braço. Tinhas um corte nas costas da mão. Um pequeno corte que mostrava quem eras. Só tu poderias ter esse corte. Um corte teu e único. Sem sangue algum. Sem dor mas com uma leveza angélica. Como se o teu corte fosse azul, como os teus lábios. Um azul triste e nostálgico (Blues). Eu um dia contei-te a história dos teus blues. Disse-te: "Eras pequena e vivias em casa dos teus avós. Tinhas um cão pequeno, como tu. Andavas numa bicicleta cor-de-rosa, com fitas coloridas no guiador e uma buzina. A casa era pequena mas acolhedora. Todas as manhãs tua avó fazia-te torradas e cortava-as na horizontal. Depois do pequeno almoço ias com o avô para o campo. Enquanto ele semeava/aparava/colhia/cortava tu andavas na tua bicicleta e o teu cão corria atraz de ti. Almoçavas sempre migas que ele trazia num pote de cerâmica. Ficavas a brincar á frente de casa, com uma rapariga de tranças chamada margarida. Jantavas e ficavas a olhar a lareira até ás nove da noite. Ias-te deitar e a tua avó contava-te uma história para adormeceres. No dia do teu 5º aniversário os teus pais entraram na tua casa. Estavas a comer a tua primeira torrada quando eles disseram "viemos buscar-te". Nesse dia nada mais foi dito na tua casa. Foste-te embora ás seis da tarde. Foi nesse dia que ficaste com os blues da aldeia. "
Fui para o quarto e deixei-te dormir.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Verosímel (4)

Ainda estavas no quarto, triste. Eu peguei no meu casaco e pu-lo debaixo do braço.
-Queres vir dar uma volta pelo jardim? Só para desanuviar.
-Oh, claro. Gostava muito.
Sorriste sem vontade. Sem vontade porque estavas triste. Sem vontade porque não era possível ficares feliz naquela altura. Puseste um cachecol á volta do pescoço e entraste no elevador sem olhar para mim. Eu tentava não olhar para ti. Tentava mesmo, mas não conseguia evitar os teus lábios. è verdade que tinhas uns olhos e um nariz bonitos. Mas quando os teus lábios estavam lá o resto não interessava. Quando tu passavas a língua neles. Lábios azuis como uma pintura de Bilal. Tu dizias que era do frio. Tu dizias que reagias assim desde que nasceste. Eu ainda agora acho que era magia. Uma maldição bastante estética. Quando fomos passear perguntei-te porque tinhas os lábios azuis. Nessa altura sorriste com vontade. Como se esta frase te fizesse lembrar como as árvores são bonitas sem folhas e como as luzes da cidade á noite ficam mágicas. Disseste "Eles são vermelhos. É do frio que está hoje". Na altura acreditei em ti. Realmente estava frio. Mas no verão os teus lábios eram da cor dos meus sonhos. Porque os meus sonhos sempre tiveram cor: azul pouco escuro (escurinho). Índigo. Os teus lábios eram dessa cor. Como se os meus sonhos soubessem que te ia conhecer. Naquele dia sentámo-nos em pedras e conversámos. Querias ser actriz e gostavas de comida italiana. Eu queria ser pintor e era mais japonesa. Não dissemos nada filosófico nem citámos oscar wilde. No entanto a tua comida italiana será sempre mais importante que as noções abstractas de destino e liberdade. Na volta para casa lembraste-te que o teu pai estava no emprego e foste buscar as tuas coisas.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Verosímel (3)

Uma tarde fria de outubro. Eu ouvia música e lia um livro. A música estava baixa. Como se susurrada em vez de cantada. A campainha tocou e fui atender. Eras tu lavada em lágrimas. Ao abrir a porta ouvi os gritos do teu pai. Cada grito era como espetar uma agulha num boneco vodoo. com cada grito tu engolias em seco e tentavas, inutilmente, disfarçar o choro. Desejaste por um momento que eu não conseguisse ouvir o teu pai e eu fingi. Eu sabia perfeitamente porque estavas lá em casa. Porque estavas lavada em lágrimas. Não sabia os detalhes, mas não queria perguntar-tos. Foi a única vez que te vi a chorar. Não te ficava bem. Não eras assim. É verdade, não rias muito, mas a tua tristeza era sóbria. Olhavas o chão desinteressadamente e ouvias música alto. Música triste que combinasse contigo. Mas nesse momento choraste. Percebi que tinha acontecido algo de grave entre ti e o teu pai. Nunca me contaste o quê. Apenas disseste "fui posta fora de casa". Apenas disseste "posso vir para aqui convosco?". Eu sorri e acenei afirmativamente com a cabeça. Fui preparar-te um chá quente. Infelizmente nenhum alimento diminui realmente a tristeza. Na verdade, dei-te o chá porque não podia fazer mais nada. Apenas esperar que voltasses a sorrir. Na altura já sabia que valia a pena esperar. Já conhecia o teu sorriso.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

Verosímel (2)

Era Outubro e estava já bastante frio. Acordei com o barulho assustador do meu despertador. Fui acordar os outros dois e passado dez minutos estavamos a caminho da escola. As aulas foram fáceis nesse dia. Português, desenho e inglês. Acabaram ás 1.15 e viemos para casa. Quando chegámos á porta disse-lhes para irem subindo. Apetecia-me ficar cá fora, sentado numa pedra, a ver as árvores. Estava triste. Por nada de especial. Talvez até sem razão. Junto ás árvores que eu observava, apareceste com o teu cão. Eras um pouco mais nova que eu. Combinavas com a paisagem. Encaixavas de alguma forma. O cão não abanava a cauda nem tentava correr. Ficava simplesmente parado. Parado, a respirar. Como se as árvores e as folhas secas no chão respirassem com ele, em uníssono.Tu olhavas o cão desinteressada. Pensando em algo. Ás vezes penteavas o cabelo castanho para trás das orelhas, para depois com um movimento de cabeça o voltares a por no lugar. Tudo ficou, apenas existindo por um tempo limitado. Curto demais. Sem qualquer aviso foste-te embora e entraste no meu prédio. Eu entrei a seguir a ti e disse boa tarde. Dirigiste-me um sorriso estranhamente aberto. Como se não fosse apenas cortesia e sim alegria genuina. Rapidamente te apercebeste disso e olhaste para o elevador. Abri-o e deixei-te passar como sempre fazia. Apenas nesse momento consegui ver a tua cara como passei a ver sempre. Eras linda. Por acaso é uma palavra que te pode descrever quase perfeitamente. Eras linda. Na altura tinhas 14 anos, no entanto encantaste-me mais que todas as raparigas da minha turma, da minha idade. Há bastante tempo que ninguém me conseguia fascinar como tu e percebi que devia tentar conhecer-te:
-Moras aqui no prédio?-eu nunca fui bom a fazer conversa.
-hum...moro. No 7º.
-Olha, eu também. Mudei-me á pouco tempo com os meus amigos. Para podermos vir para o liceu.
-Deve ser engraçado.
-É bastante. Se precisares de alguma coisa podes ir lá bater.
-hum claro, obrigada.
-Não tens de quê.
O elevador parou e cada um se despediu com um sorriso. Tinha acabado de ganhar o dia.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Verosímel (1)

Foi num ano particularmente longo, dez anos atrás. Tinha quize e entrei para um liceu novo. Conhecia dois amigos, os meus melhores, o Daniel e o André. Desde que me lembro, passava sempre todos os intervalos com eles. Falavamos de música quase exclusivamente. Falavamos de uma maneira única, que nunca mais ninguém conseguiu (também duvido que o quisessem). Nós discutíamos música como quem discute motores de carros ou materiais sintéticos. Era sempre a mesma discussão: R.E.M. contra QUEEN. Eu defendia os R.E.M., claro está. Todos os dias (Talvez não todos, mas muitos de certeza) trazíamos papeis que comprovavam que a nossa favorita era a melhor. Desde folhetes com o número de espectadores nos concertos até capas de revistas que declaravam coisas como: "R.E.M., a maior banda do séc. 20" ou "Queen, os inspiradores do rock". No novo liceu nunca mais fizemos nada destas coisas. Falavamos de música, claro. Até falavamos de Queen ou R.E.M, pois as raízes nunca se perdem. No estanto, sempre que um deles dizia "hoje dá um documentário sobre os Queen na VH1, eu acabava por responder, apaticamente, "ai é?". As nossas conversas começaram a resumir-se a raparigas, cada vez mais. Passámos a viver os três numa casa da tia do Daniel. Ela estava poucas vezes. Fins de semana e umas sextas á tarde. A casa foi claramente desperdiçada em nós. Nunca gostámos de fazer festas nem queríamos multidões de adolescentes bêbados a destruirem os sofás. Na verdade passavamos as tardes livres (todas menos quarta) á frente de ecrãs. Televisão, cinema, computador. Ás vezes íamos beber café para uma esplanada. No inverno, o café era substituido por cacau quente. O início das aulas foi calmo. Tirando aquela sençacão de medo nas pontas dos dedos, sempre que via um dos matulões do 12º. A minha turma era porreira. Tirando o Daniel e o André começámos a dar-nos com um rapaz chamado Ricardo. Usava sempre camisa de quadrados, um casaco de malha com a gola em v e calças de algodão vermelhas. Os óculos dele eram redondos e grandes. Ele vinha para nossa casa á tarde e ficava a ver televisão ou a jogar consola conosco. O André apaixonou-se por uma rapariga chamada Joana. Ele sempre teve a mania de se apaixonar por pessoas que mal conhecia. A quem tinha dito olá uma vez, e foi amor á primeira vista. Na verdade, nunca tentou nada com ela. Sempre foi muito envergonhadado para isso. Eu não o censuro, também tinha esse problema. O Daniel era diferente. Ele apaixonou-se por uma rapariga com quem realmente falava. Infelizmente ela já tinha namorado. Mas sempre podia ter mais esperança.
Eu demorei mais tempo a apaixonar-me. Pensava bastante sobre o assunto, é verdade. No entanto, não conhecia ninguém que me encantasse.

Heartbeats(7)

Parámos numa cidade á beira-rio. Sentámo-nos nuns bancos de madeira, iluminados por um candeeiro antigo, a ver o rio. Os peixes na água. Pedi dois gelados. Chocolate sem cobertura. Comemos e fomos nadar no rio, nus. Estava noite cerrada e não estava ninguém á volta. Atirámos água um ao outro, como duas crianças. Eu abracei-te. Dois corpos nus, um no outro. Um corpo nu, um só. Assim fomos nós, nus num só. Como duas crianças. Olhos que diziam amor. Olhos que repetiram amor numa dança de sexo, até de madrugada.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Heartbeats (6)

Ela sorria enquanto lia alguns textos meus. Textos que eu excrevia ao pensar nela. Ela lia-os alto, com uma voz comovida.
-"Ela sorria. Eu sorria um sorriso tão aberto. Uma alegria tão grande. Lábios finos, que mordia enquanto me olhava com um ar de marota. Como se fosse fazer algo maroto. Enganou-me sempre."
-Não leias no carro que ainda enjoas.
-És um querido.
-Pelo texto ou pelo conselho?
-Oh.
Quando ela disse esta última expressão eu ri-me tanto. Ri-me não como uma pessoa se ri de uma piada, mas como uma sensação extrema encantamento.
-Encantas-me. Não sei porquê, a maneira como a tua voz soa. Sabias?
- Não te vou responder...e para com isso.
-Pronto, está bem.
Desliguei o rádio e passei-lhe uma pilha de cd's.
-Olha, agora tu escolhes o cd.
-Qualquer um?
-Desde que esteja aí, qualquer um.
Ela tirou a banda sonora de Garden State
-Põe a faixa 4. São os the shins.
-ok.
Abri o tecto do carro e ela aumenou o volume ao máximo, decididos que o mundo deveria ter uma banda sonora. Cantámos o refrão juntos.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Heartbeats(5)

Acordei numa casa que era já minha. Sem ela. Era o melhor que tinha a fazer. Faltava ainda um mês para o início das aulas e tinha bastante tempo livre. Ela tinha ficado bastante triste comigo por eu alugar esta casa. Era o melhor que tinha a fazer. Telefonei-lhe:
-Bom dia.
-hum...bom dia.
-Queres ir embora?
-Onde?
-Não sei. Metíamo-nos no carro e íamos parar a um sítio qualquer. Uma aventura, só nós os dois.
-Acho uma excelente ideia.
Fomos os dois para o carro. Peguei num cd de iron and wine e fui até casa dela. Eu guiei. Ela encostou a cabeça à janela e adormeceu. Tão bonita a dormir. Pequena e frágil. Tão novinha e inocente. Inocente é um adjectivo estranho. Tende até a ser mal intrepertado, mas é o único que eu poderia interpertar aqui. Inocente por rir e chorar como ela. Inocente por ser ela, Teresa. O leitor de cd's passava "bird steeling bread" de Iron and Wine e com essa música seguiu enquanto as horas passavam sem querer.